domingo, 5 de agosto de 2012

Outras cidades - Parte 9 ("Cidade dos Ventos" e "Céu de Março")

As cidades e os destinos – 5 (Palíndromo)

Estive numa cidade fustigada de sol e de ventos de janeiro, cujas ruas às vezes ando ida e volta. Pensei escrever sobre ela, algo que pudesse ser lido em sentidos vários, como se andasse em suas ruas. Ou não escrever. A não escrita uma das direções da possibilidade de escrever. Lembro ter havido momentos quando quis parar e não andar mais. Não andar é trajetória quando há muitos caminhos e nenhum destino. Contudo, um texto, mesmo quando seu sentido é múltiplo ou óbvio, tem sentidos diferentes de um texto não escrito. Andar indiferente ao destino é diferente de não andar. Sei disso quando recuso uma esquina. Foi assim e andei ao lado ou à frente, mesmo sem saber onde me levava, lentos redemoinhos nos pensamentos, rodeados por um vento estranho, que nos invadia os olhos, a boca, afogava e tirava o fôlego. De dentro do vento pensei: “-Esta cidade não precisa de mim. Eu não preciso dela”. Está sendo assim e escrevo. Talvez deva escrever por delicadeza e você o lerá por delicadeza. Andamos ao vento como se ele não estivesse acontecendo, até o qualquer destino. Então eu vou, eu vôo, na noite de 24 de Janeiro do ano de 2003. Esta cidade tem um nome entre muitos. O diria se seus olhos o pudessem ouvir. Eles não estão aqui: a cidade se apaga. Sigo suspenso no ar. Hoje é um tempo adiante. Um tempo seco.

 

 



As cidades deixadas - 3


Nos céus dos espaços entre as cidades o viajante, em início de Março, no frescor da noite após o dia quente, vislumbra os asterismos. Quantas pessoas de tantos lugares ao longo de tanto tempo os viram e verão... Eis cetis, que sei ser um sistema sextuplo e não uma estrela; capella marcadamente brilhante, no cocheiro, atraindo com naturalidade o olhar; arcturus, que demoro a identificar, desnorteado pelas suas companheiras; as plêiades (“seixu” para meus antepassados nas matas) fugidias ao olhar direto e sentidas na retina quando se desvia os olhos; mira cetis, estrela volúvel de brilho variável (mas previsível e cíclico); os aglomerados Messier, aparentes manchas delicadas, na verdade espaços enormes reunindo brilhos de muitas estrelas não distinguíveis individualmente; Eta-Carina, sistema duplo de estrelas de cores e magnitudes diferentes, que parecem próximas e na verdade estão afastadas; o negrume de alguns espaços onde não enxergo nada por limitações dos meus olhos míopes e incapazes de perceber as radiações em freqüência não visível e, de qualquer forma, vedados a mim. As tramas das nebulosas de brilho frio, fino, etéreo (um planeta imerso nestes brilhos conhecerá a noite?); os planetas solares, quase triviais. Quantas analogias possíveis entre estes brilhos e as pessoas, ou melhor, entre estes brilhos e as interações entre as pessoas, ou, diretamente: entre esses achados e as minhas formas de perceber nossa curta história. Repito os poucos nomes conhecidos em saudação respeitosa (compreendo o cuidado islâmico de não nomear Deus), tentando a melhor pronúncia do árabe, grego, latim, línguas antigas. Percebo enunciá-los tentativa de invocar tua presença. Como se pudesse me ouvir. Há (por um breve segundo) a sensação de que aqueles nomes nunca me pareceram tão inúteis. Silencio, aproveito o ar e os cheiros da terra. Através da madrugada e da estrada, caminhando no escuro, desfio minha memória, transfiro as quaisquer dores para aquelas distâncias, me sei miúdo e em paz. Canopus, algjebah, aldebaran, sirius a anos-luz, ouçam minha voz (como a de todos): eu sou um homem que acata seu destino e caminha na noite, sem medo e agradecendo tuas companhias. Das estrelas, essas alegrias: não dizerem nada.

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