terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sob a tempestade

Esses casos são reais, apenas os nomes foram trocados. Nesse formato foram usados em diversos cursos de formação de pessoal dos serviços de saúde pública, em vários contextos: centros de aconselhamento e testagem; serviços de assistência ambulatorial e hospitalar (clínica médica e pediátrica); eventos sobre bioética; eventos sobre prevenção entre grupos de vulnerabilidade ampliada (presídios, usuários de drogas, trabalhadores do sexo...). Coligidos no Hospital Eduardo de Menezes e no Centro Geral de Pediatria, em Belo Horizonte, durante o final dos anos 90 (entre 1996 e 1998), esses casos dizem de um tempo quando o tratamento da aids era pouco eficaz e rudimentar em muitos aspectos: farmacológico, ético, clínico, psico-social, direitos humanos, etc... Talvez daí a presença muito forte da morte ou de uma sensação de perspectivas ruins. E no entanto, mais de 15 anos depois, ainda tenho contato com pessoas que foram pacientes e que estão bem. Somos - tanto eu como eles - sobreviventes. Muito se poderia dizer sobre cada um dos casos, que aspectos me levaram a escrevê-los ou foram mais discutidos com as pessoas com quem tive oportunidade de compartilhá-los pessoalmente, que "lições aprendidas" tive com eles ou a partir das reações que eles provocaram, etc... Não tenho certeza se deveriam ser publicados aqui ("literatura") ou como material de oficinas "técnicas", no "Ciência Minas". Embora sejam casos reais, a forma como foram registrados e vividos tem algo de "literário". Foram usados em "contextos técnicos", mas não são "textos técnicos". Opto por disponibilizá-los como "crônicas anacrônicas", vozes que merecem ser lembradas, pálida homenagem a essas pessoas, vivas e mortas, com quem as compartilhei e que comigo as compartilharam.


Sob a tempestade - casos da "era aids"

Caso 1
Plantão de fim de semana no HEM, sábado à noite. Recebo chamada no telefone:
-"Alô, doutor, aqui é a assistente social da prefeitura de XXX. É que estamos com um caso de AIDS e precisamos de internar. Tem vaga?"
-"Temos vagas, mas eu queria saber o que o paciente tem. Posso falar com o médico que o atendeu?"
-"Ele já foi embora e deixou eu tentando arranjar vaga. Vou tentar achar alguém para falar com o senhor.".
Uns vinte minutos depois, às nove e quarenta, outra chamada:
-"Doutor Marcelo? Aqui é o prefeito de XXX. Quero lhe pedir para receber o Fulano, que está com AIDS. O doutor pediu para transferí-lo."
-"O senhor sabe dizer o que aconteceu com o paciente?"
-"Não. Sei que está com AIDS e o doutor mandou transferir para Belo Horizonte. Posso mandar levar?"
-"Pode."
Às três e cinco da manhã do domingo sou chamado pelo SAME:  -"Doutor, o paciente que veio do interior chegou."
No corredor, encontro um rapaz de 28 anos, com uma sacolinha com roupas nas mãos trêmulas, ansioso e assustado. Atrás dele, lá no portão, um homem à porta da ambulância com o motor ligado: -"Esse aí é o fulano que o doutor XXX, o prefeito, mandou trazer. Já estou indo, até logo, obrigado.".
O rapaz é levado ao leito e inicio a conversa. Nenhum relatório ou encaminhamento. Da sacolinha tira um resultado de laboratório dizendo "ELISA anti-HIV positivo". Pergunto como foi a história da sua doença. -"O doutor XXX me chamou porque eu tive que fazer uns exames para trabalhar na firma YYY, e me falou que eu tinha AIDS, não podia trabalhar e devia ser internado para tratamento em Belo Horizonte.".
-"Você está com algum problema de saúde hoje?"  -"Não senhor. Só cansado da viagem".
O exame físico é normal, não há sinais de doença ativa. Pêso normal, afebril, sem adenopatias, aspecto hígido. Passa o domingo no hospital, explico que não precisa ficar internado e que pode voltar para sua cidade. A assistente social liga para a prefeitura na segunda-feira:
-"Aqui é do Hospital Eduardo de Menezes, é sobre o paciente que vocês encaminharam. Ele está bem e não precisa ficar internado. Vai ser acompanhado no ambulatório, e já marquei a consulta para daqui a 20 dias. Vou mandá-lo de volta pelo ônibus hoje. Ele pode continuar trabalhando.".
Espanto e dificuldade do outro lado: não está com AIDS? como pode trabalhar? o doutor não falou que não pode? vai ficar aqui contaminando todo mundo e ainda sem tratar? aqui é cidade pequena, não tem recurso, etc, etc...
Vinte dias depois o retorno. Perdeu o emprego, está morando na roça. Quase não vai à cidade. Forneço atestado de ser HIV-positivo para levar à previdência social. É afastado e passa a receber "auxílio doença". Usando anti-depressivos. Quer se mudar para Belo Horizonte, não quer voltar para sua cidade. Assintomático.

Caso 2
Sou parado no corredor por moça agitada, com um atestado de óbito nas mãos.
-"Doutor, posso falar com o senhor? Queria que o senhor me fizesse um favor: o meu marido morreu aqui e quero levar para enterrar na nossa cidade. Só que queria que o senhor me desse outro atestado de óbito, sem falar nessa doença."
Olho o atestado. Sobre a causa de morte foi pregado pedaço de esparadrapo. Contra a luz se lê "SIDA".
-"Não posso fazer isso, o atestado de óbito é um documento, não pode ser preenchido com doença de mentira ou escondendo o que aconteceu".
-"Mas como vou fazer? Lá é desse tamaniquinho, o pessoal do cartório me conhece, vão espalhar para a cidade inteira, vou perder meu emprego, tenho 3 meninos p'rá criar...". - começa a chorar...
-"Vamos fazer o seguinte: você enterra aqui em Belo Horizonte, dá o endereço de onde ele ficou aqui (casa de parentes) como endereço residencial, registra o óbito aqui.". Ela insiste. Não cêdo. Tento acalmá-la. Não se conforma com o atestado.
Eu a vejo, no mesmo dia, já à tardinha, abordar outro médico. Parece cansada. Depois desaparece.

Caso 3
Chamado para fazer internação. Há quarenta e quatro horas de plantão. Faltam quatro.
Paciente Luiz, 22 anos, encaminhado do Hospital Militar com história de diarréia e ser HIV-positivo.
Encontro-o no leito, com a mãe e o pai, militar. Febril, desidratado grave, muito pálido, dispnéico, olhos ansiosos, extremamente magro: pesa 34 kilos.
A mãe me conta que tem tuberculose e que havia parado com todos os medicamentos há mais de 30 dias: - "ficou só com a fé que ia curar..."
O pai me chama, parece espantado que eu tenha aceitado tratar do filho: -"Deus lhe pague, doutor. Mas eu acho que já tinha que ter morrido. Tem aquela outra doença também, é viado, e ainda tá com tuberculose. Não sei como vocês ainda ficam tratando.".
A mãe percebe que está muito grave, diz que queria ter trazido antes, "mas ele não queria vir...".
Reidratação feita, volto para reavaliar. Está melhor, conversa, menos dispnéico. Peço transfusão de sangue. Não chega a tomar. Falece na manhã seguinte.

Caso 4
Ana e seu saxofone. Veio de São Paulo, mora em casa de apoio. É portadora assintomática. Não trabalha: era dona de casa e não tem profissão. Não tem filhos nem pais nem parentes. Tocava Sax. O parceiro se suicidou quando ficou sabendo que a contaminara.
Fala baixo, é calma. Não quer mais tocar Sax: muitas lembranças ruins. O seguimento com a psicologia é falho, nem sempre tem.
Parece não ter passado nem presente. As roupas são simples, não é bonita, não pergunta nada. Termina a consulta e vai embora. Retorno em três meses.

Caso 5
Primeira consulta no ambulatório lotado, não espera ser chamado: -"quem vai me atender? já chegou?"
Entra no consultório, pede para fechar a porta. Fala rápido e me conta que veio porquê teve icterícia, médico pediu exames, fez e mostrou na farmácia, lhe disse que estava com AIDS. Olho o exame, um papel já amassado: "ELISA anti-HAV: IgG positivo.".

Caso 6
Veio de longe: mais de oito horas de viagem. É lavrador, fala manso e em tom respeitoso.
Acorda cêdo e fica esperando a corrida de leitos. Desce e vai tomar sol. As perguntas são poucas, não entende o que é o vírus, concorda com tudo.
As mãos são grossas, a pele queimada, muito sêca, parece ter mais de 60 mas tem 48 anos.
Furunculose e anti-HIV+.
Vem ao ambulatório de vez em quando, se consegue transporte na prefeitura. Está satisfeito: "tô recebendo a “pensão” (benefício do INSS) todo mês, não recebia nada inhantes.".
O HIV é a pensão.

Caso 7
Renata veio do Pronto Socorro do H. João XXIII. Magrinha, agitada, alegre. "Tou com muita tosse, tou passeando em BH, tava em hotel, tenho parente nem documentos não. Sou de São Paulo." Raio X com cavitações. Escarro BAAR 2+/3+.
"Já fiz um monte de exame desse agá-í-vê, nunca recebi resultado, quero fazer de novo não. Já estive em Ribeirão, Itu, Santos, São Paulo, Rio, agora aqui em BH. Faço não. Já me receitaram muito remédio, perdi, tomo nada.".
Conta que usava drogas. Tem candidíase oral. "Um monte de amigo meu já morreu de AIDS".
Trata seis dias e passa a exigir alta. Sai do hospital com dinheiro de passagem: "Vou voltar para SP". Vai e leva os remédios. O relatório e encaminhamento que fiz a enfermeira me mostra, amassados, no lixo.

Caso 8
Daniela tem 4 anos, está com hepatite grave. A mãe já faleceu, o pai também. A avó a traz às consultas e agora a acompanha na internação. Falência hepática, sepsis, insuficiência renal. Me chama:
"-Ela vai morrer, né? O senhor sabe, só tive uma filha, meu gosto é a Daniela. Fico mais triste porquê ela morrendo eu fico sozinha. Vi meu povo se acabar. Deus faz coisa que a gente não entende.".
Fala com a calma dos que esgotaram as lágrimas. Só tem espanto nos olhos.

Caso 9
Ronaldo veio do presídio, onde cumpre pena por latrocínio, para consulta, com escolta armada. São retiradas as algemas para a consulta. Quer fazer anti-HIV, insiste e frisa: "-uso as droga tudo, faço tudo, com home e mulher.".
Os guardas evitam contato direto, apontam com as armas, indicam a direção por onde caminhar, ficam no consultório com metralhadoras, arredios. Sem sinais de doença, mas desnutrido e fumando compulsivamente.
Faz o teste, retorna para o resultado, positivo. Parece feliz: "-já sabia que ia dar. Vou ser solto, eles não prendem aidético, e prêso com AIDS não apanha porquê eles têm medo de pegar".
Outro "colega" do presídio também vem, na mesma situação, e conta: Ronaldo está solto, sumiu. Assim como o novo caso.

Caso 10
Ivani tem 32 anos, é homossexual, tem SIDA. Teve toxoplasmose, ficou com seqüela (hemiparesia parcial à E). Tomando vários remédios antivirais e profiláticos, está relativamente bem. Não perde o bom humor, ri com o lado bom do rosto e conta sobre sua vida e seus planos: -"Esse ano vou passear no Nordeste, ficar mais uns dias na praia. Vou falar para você: depois que fiquei sabendo da AIDS, minha vida melhorou mil por cento. Sabe essas coisas que a gente é doido prá fazer mas fica deixando para depois? Agora eu faço tudo. Estou trabalhando menos, fico só no escritório e não visito as obras (é engenheiro). Estou ganhando muito menos, mas em compensação vivendo muito mais. E só faço o que eu gosto, só converso com quem quero, meus amigos são amigos mesmo, agora eu sei quem é quem. Estou lendo coisas que antes não tinha tempo, assistindo a filmes que queria ver e não dava,  passeio toda tarde..." –
Discorre sobre sua qualidade de vida atual, muito melhor que antes, diz ser outra pessoa. Parece sincero, suas palavras são alegres. Seu parceiro empurra a cadeira de rodas, percebe-se carinho entre eles. Sai para o corredor, eu o escuto brincar com outros pacientes.

Caso 11
Rui é um paciente chatíssimo. Não aceita os remédios, não concorda com as condutas, questiona a enfermagem sobre tudo, reclama dos colegas de enfermaria, foge para a outra ala, briga com visitas dos outros (não recebe visitas). De vez em quando piora, fica mais calado, não briga, está mal. Melhora e a implicância volta. Reclama da comida, da posição da cama, do horário dos exames, do plantão quando não vem para ver suas queixas e quando vem para examiná-lo.
Faz escândalo para ter veias puncionadas, xinga a moça do laboratório (-"Burra! Burra!"), tenta manipular a enfermagem gemendo e fingindo-se grave para não tomar banho, depois pergunta porquê está sendo esquecido. Procura compulsivamente pretextos para queixas.
Muitas internações, quando tem alta todo mundo fica aliviado, quando volta os residentes perguntam entre si: "quer trocar o Rui por dois dos seus pacientes?" ou "meus parabéns, o Rui é seu!". Difícil conversar com ele para saber sobre seus sintomas, tende a hipervalorizar as queixas, difícil saber o que é verdade, não tolera o exame físico, acaba mal olhado.
Tudo o aborrece, nada agrada, ninguém sabe nada do que ele tem, joga os medicamentos fora. Vai piorando, fica torporoso. De vez em quando parece ter momentos de melhora do coma, dá muxoxos, seu rosto se conserva vincado por rugas de contrariedade. Falece, a morte um comprido aborrecimento.
Ninguém reclama o corpo.



Caso 12
Dona Conceição, 58 anos, do interior do estado, vem à consulta com o marido, já doente, acompanhados de filhos, filhas, netos adolescentes. Enchem o corredor, todos estupefatos pela doença do avô, pai, marido. Quando falo a ele sobre a necessidade de testar a esposa, fica furioso. Ela chora. Acaba sendo testada - positivo - pede para não contar para ele. As filhas e netas, no consultório, choram e falam sobre culpa. Ela não concorda: "-ningém passa isso pros outros por maldade"...
Ele nunca pergunta sobre o exame da esposa. Falece oito meses depois, e Dona Conceição pergunta sobre quanto tempo de vida tem. Explico que ela está bem e não sabemos. As filhas ainda revoltadas. Pergunta novamente sobre perigo de beijar as netas, as filhas contam que tem evitado tê-las ao colo, com medo de contágio porquê "deu no jornal que saliva pega".
Muitas consultas depois parece mais tranqüila, mas ainda surpresa. "-Minha vida virou tudo de perna prá cima. Eu, já velha, não gosto de ficar pensando, não consigo entender tudo... Ele parecia tão quieto, do trabalho para casa e da casa para o trabalho...".
Uma filha que mora em Belo Horizonte diz que quer trazê-la para cá, para evitar mais sofrimentos: Dona Conceição tem sido evitada por ex-amigas. -"Muita fofoca, doutor, mas eu gosto de morar lá, fui criada lá, minha casa é lá. Vou aguentando...". 

Caso 13
Cléo e Pat se conheceram no Hospital-Dia, onde tomavam ganciclovir no mesmo horário para retinite por CMV. Passaram a vir juntas, somando a pouca visão que cada uma ainda tinha para se orientarem mutuamente nos pontos de ônibus, no trajeto, na travessia das ruas. Quase cegas, delicadíssimas, falavam muito baixo, raras vezes tristes, a despeito do conteúdo das conversas – CD4 baixo, remédios que estão em falta, vales-transporte que não vieram... Partilhavam suas desgraças e minúsculas alegrias: como foi fácil obter ajuda da enfermeira no posto para tomar o remédio no fim-de-semana, os vômitos que diminuiram.
Num fim de semana, Cléo piorou subitamente, foi internada em outro hospital e faleceu. Na manhã de segunda-feira, Pat chega um pouco mais tarde, pergunta por Cléo, antes de qualquer resposta vai falando: “-sonhei que Cléo tinha morrido, ela me falou que morrer é bom e que eu devia parar de tomar estes remédios”.
A enfermeira desconversa, diz que Cléo mudou os horários, mas está bem. Pat continua vindo, acaba sabendo da morte de Cléo, supera. Chegam os inibidores de protease, Pat, que chegara a pesar 29 kilos e ficar em cadeira de rodas, melhora, volta aos 58 kilos normais, volta a trabalhar, está feliz com o filhinho.  Os mortos se enganam?

Caso 14
Alex tem sarcoma de Kaposi disseminado, a quimioterapia não está funcionando bem. A mãe o chama de “meu neném” conversam em tatibitate. Ele nega a gravidade, faz planos de viagens que nunca acontecerão, recusa medicações, falta às sessões, a mãe tenta explicações e justificativas. Fica pior, é internado, a mãe chorando baixo ao lado do filho comatoso, caquético, palidíssimo, respiração difícil. Segura meu braço: “-ele vai melhorar?”, beira a histeria, mau ouve as explicações, não tolera ouvir falar em possibilidade de morte.
Chego pela manhã junto ao leito ao lado da janela, claridade fresca da manhã de maio. Alex está agonizante, os olhos não me vêm, os membros magérrimos imóveis. Desligo o soro, retiro a sonda, me sento ao seu lado, a respiração vai ficando mais irregular e espaçada, até parar de todo. Está morto. A mãe chega depois, o corpo ainda no leito. Não fala nada, só se senta também, olhos muito vermelhos. Segura a mão dele, cabeça baixa, soluços, alisa a cabeça sem cabelos. Depois se vai, sem falar comigo.

Caso 15
Chego ao trabalho, tenho paciente nova: Mariana, 3 anos, mora em Casa de Apoio. Pesa 6,8kg, está com pneumonia. –“está estável”, me informam. Me preparo para a cena caminhando pelo corredor, para avaliá-la, nunca a vi antes. A vejo de costas no berço, sentada, os tubos de soro, da sonda naso-entérica, da sonda vesical, a máscara de oxigênio sobre o rostinho caquético. Nem me vê chegar, compenetrada em empilhar cubos coloridos.

Caso 16
Colegas me passam os casos no plantão, pedem para avaliar dois pacientes internados hoje. Sebastião, leito 12, com quadro de meningite menigocóccica, já em final de tratamento, ótima evolução, é só conferir o resultado da punção de controle para dar alta. Roberto, leito 18, com meningite fúngica, tem SIDA, prognóstico mais reservado.
Resolvo ir ver primeiro Sebastião,  que está com alta programada, entro no quarto, percebo que ele e a companheira estão muito tensos, adoto atitude de leveza, brinco com ele, explico que não precisa ficar assustado, que o tratamento funciona bem e que ele vai em breve para casa, depois é só marcar o acompanhamento no ambulatório. Me ouve com surpresa, me pergunta se eu acho mesmo que ele vai ficar bem, repito que sim, fica mais feliz, a companheira ao lado do leito bebe minhas palavras, pede para me acompanhar no corredor: -“muito obrigada, doutor, o senhor é legal, o outro nos deixou assustados”. Reitero meu otimismo, aviso que vou buscar os resultados do exame para falar mais com eles, saio do quarto.
Peço à enfermeira os resultados do exame de líquor para liquidar o assunto e pedir ao residente que faça a alta, me surpreendo ao vê-los, pergunto à residente: “-esses são os resultados do Sebastião, do leito 12?”. –“São”, ela diz. Meu espanto continua. –“mas esse tem meningite fúngica, ele não tem não é meningite bacteriana?”  -“não, o outro que você ainda não olhou é que tem, está aguardando para ter alta hoje, esse é o HIV+”.
Eu trocara os nomes, lidara com Sebastião com um otimismo que eu imaginara para o outro. Entro no quarto outra vez, a tensão deles desaparecera, me desarmo, me re-organizo, sorrio para eles. Até hoje falam no assunto, em como eu lhes dei força quando estavam com medo de morrer de AIDS.

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